
A Casa Inquieta • Conto de Terror
- Draakhnys

- 10 de jun.
- 5 min de leitura
Parecia a casa dos sonhos, mas não passava de uma doce ilusão. A maioria das pessoas tem medo de ter vizinhos desagradáveis, às vezes um senhorio “entojado” — e se fosse apenas isso, ainda assim seria uma situação mais leve de lidar. Os senhorios dessa casa eram até melhores do que os da minha antiga, e não era a primeira vez que uma vizinha não gostava de mim sem nem ao menos me conhecer.
A viagem, que deveria durar no máximo duas horas, demorou sete. Até parecia que “alguém” estava tentando me avisar que morar naquela casa não era uma boa ideia. Mas eu sempre morei em apartamento, e um dos meus sonhos era viver numa casa de dois andares com um pátio grande. A casa era espaçosa, mas o pátio, infelizmente, era compartilhado com outros vizinhos, pois se tratava de um condomínio de sobrados.
Na primeira noite, algo estranho aconteceu. Meus gatos, que sempre foram brincalhões, mas calmos e obedientes, ficaram agitados a noite inteira. E mesmo exausta, não consegui dormir bem. Meu irmão, que havia me dado carona para auxiliar na mudança, dormiu na cozinha, enquanto eu fiquei na sala. Já era muito tarde para descer a serra com aquele carro podre que ele tinha, que vivia dando problemas sem explicação aparente — nenhum mecânico conseguia identificar a causa, muito menos resolver.
A noite foi agitada para todos. Ninguém conseguiu dormir bem — nem eu, nem meu irmão, nem meus gatinhos. Quando amanheceu, os gatos continuavam agitados, e meu irmão estava com uma expressão de pavor, mas não revelou o que havia sentido durante a noite. Ele só queria sair o quanto antes daquela casa. Foi embora, e pouco tempo depois o caminhão da mudança chegou com o restante dos móveis e eletrodomésticos.
Tudo parecia apenas uma mistura de excitação com a nova fase da vida e o desafio de desbravar o desconhecido. Minha intuição nunca havia falhado, e eu não sentia uma energia ruim ou algo perigoso, mas estava ansiosa enquanto organizava a casa após a mudança. Ao final do dia, cansada, tive que dormir novamente na sala — ainda não tinha conseguido subir a cama para o quarto no segundo andar. Mesmo assim, estava tão feliz e agitada que não queria me sentir ingrata por algo tão pequeno, que em breve estaria resolvido.
Meus gatinhos continuavam agitados. Lúcifer — o mais achegado a mim — veio para a cama comigo. Caí no sono rapidamente, esgotada com todo o agito. Algumas horas depois, ouvi um miado muito semelhante ao de Lúcifer. Comecei a passar a mão pelas cobertas, pedindo para ele ficar quietinho e dormir, mas, ao tatear a cama, percebi que ele não estava ali. Na verdade, nenhum gato estava, e tampouco estavam miando.
Acordei assustada e não consegui mais dormir. Mesmo já tendo feito exorcismos, trabalhos mágicos e outras experiências espirituais, nunca tinha enfrentado uma afronta tão descompensada por parte de um espírito tão desaforado. Odeio fazer ligações e sempre evito mandar mensagens “fora de hora”, mas fiquei tão assustada com a situação que precisei pedir ajuda a outra bruxa para entender o que havia acontecido.
No dia seguinte, descobri parte da história. Na casa havia espíritos que haviam se camuflado — tanto na visita quanto no momento em que a aluguei — e que não estavam nada felizes com pessoas morando naquele terreno.
Inicialmente, não descobri muita coisa. Mas alguns meses depois, sim. Minhas divindades permitiram que eu alugasse aquela casa para que eu aprendesse algumas lições. Todas as situações apresentadas por ela eu já sabia, em teoria, como lidar — era um conhecimento de gaveta, sabe? Aquele que você aprende, mas nunca aplicou de verdade. E mesmo que fosse no susto, minhas deidades queriam que eu colocasse em prática. E a primeira lição era lidar com essa afronta.
A orientação que recebi foi usar meu conhecimento sobre portais para resolver a situação. Deveria fazer isso durante o dia, para evitar retaliações espirituais. E assim fiz. Pedi auxílio e proteção das minhas divindades, abri um portal num espelho e os aprisionei.
Naquela noite — e nos meses seguintes — consegui dormir bem. Nenhuma manifestação aconteceu. No máximo, alguns obsessores ou espíritos vagantes, mas tudo de fácil solução.
Até que, numa noite, tive pesadelos fortíssimos. No dia seguinte, compreendi que estava sofrendo ataques psíquicos. Eram os mesmos espíritos do terreno que conseguiram se libertar, agora mais agressivos, tentando me expulsar. E foi aí que descobri a verdade: eu tinha sido a única pessoa que conseguiu aprisioná-los, porque fui a única que os enfrentou.
Um espectro apareceu na porta de um dos quartos — justamente o quarto onde eu realizava meus rituais. Era uma mulher vestida de preto, com véu e pele clara, cabelos aparentemente pretos. Sua energia exalava ódio e revolta — sentimentos que claramente não tinham a ver só comigo. Ela era um aprendizado para mim, e eu era um aprendizado para ela.
Quando ela conseguiu se libertar, eu sabia que precisava acalmá-la. Evoquei sua presença. Descobri que era uma mulher conhecedora de magia, que controlava outros espíritos. Busquei saber seu nome. Na época, soube, mas depois de me mudar, esqueci. Soube, mais tarde, que ela havia sido dona daquele terreno, numa cidade da serra gaúcha. Por causa de disputas, discórdias e trapaças, teve sua terra roubada. Revoltada, amaldiçoou o terreno e jurou que ninguém mais teria paz ali.
Conversei com ela, tentando encaminhá-la e mostrar que precisava seguir em frente. Mas ela estava tão tomada pela fúria e dor do passado que não conseguia se desapegar — nem da dor, nem do terreno. Então precisei negociar com ela. Talvez tenha sido minha primeira experiência necromante forçada:
— Entendo sua situação, mas eu não tenho nada a ver com isso. Também quero ir embora daqui, mas no momento não consigo. Preciso de dinheiro. Se você quer que eu vá logo, proponho que me ajude — ou ao menos, não me atrapalhe — eu disse.
— Tudo bem — ela respondeu.
Aceitou a oferenda que fiz, e a partir daquela noite, embora me sentisse observada e pressionada a sair o quanto antes, o ambiente ficou mais calmo. Na semana seguinte, fiz outra oferenda para manter a harmonia. Ela ainda tinha receio de ser traída novamente, e de tempos em tempos me perguntava quando eu partiria.
Quando comecei a procurar outra casa para alugar, ela e os demais se acalmaram — não por completo, mas o suficiente. Com a chegada da pandemia, as coisas mudaram. Vendi tudo e fui embora. O que senti ao deixar aquela casa foi libertação.
O mais bizarro? Os proprietários sabiam da existência daquela mulher. Sabiam dos eventos sobrenaturais no terreno, mas nunca fizeram nada para resolver. Todos os casamentos ali se desfaziam. Sempre havia perturbações estranhas nas casas, conflitos entre os moradores...
Algum tempo depois, compreendi que aquela casa não era apenas um abrigo temporário — era um campo de provas espirituais e emocionais. Cada noite maldormida, cada miado estranho, cada aparição foram degraus necessários para que eu acessasse, com coragem, camadas profundas da minha prática mágica e do meu próprio ser.
Fui embora mais forte, mais lúcida e consciente das forças que habitam os espaços — visíveis ou não. Aquela mulher, embora envolta em dor e sombra, me ensinou sobre limites, respeito e soberania. E eu, talvez, tenha lhe mostrado uma possibilidade de redenção.
Hoje, quando penso naquela casa, não a vejo mais como uma armadilha. Vejo como um ponto de virada. Um rito de passagem. Uma morada transitória onde passado e presente se cruzaram para ensinar. E onde, enfim, ambos puderam seguir em frente.







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